o mito do 'cara legal'.
por que é tão difícil para homens assumirem seus próprios fracassos?
se você já assistiu friends, sabe que ross geller se enxerga como o “mocinho”. o namorado atencioso, o mais romântico, o homem que ama profundamente. ele se vê como a vítima do destino, sempre azarado nos relacionamentos, sempre sofrendo por amor. mas, quando olhamos mais de perto, percebemos que ross não é um coitado —ele é o arquiteto da própria desgraça.
ross é o típico cara que acredita ser um grande parceiro, mas que na prática, toma decisões que sabotam suas próprias relações.
a série se inicia explicitando o amor não correspondido pela rachel, e quando ele finalmente a conquista, o amor que ele tanto idealizou não é suficiente para impedir que suas próprias inseguranças se transformem em obstáculos. ele sente ciúmes da carreira dela, não lida bem com sua independência, e sufoca a relação com desconfiança. no fundo, ross nunca quis apenas amar rachel, ele quis que ela orbitasse ao redor dele, que sua vida fosse um complemento da dele, que seu crescimento nunca o fizesse sentir menos necessário, afinal, ele a via como “apenas uma garçonete” quando ela trabalhava no central perk.
a famosa traição (não aceito outra opinião) do "we were on a break" é um reflexo perfeito de como ele se sabota. a noite em que dorme com outra mulher não é uma traição apenas aos princípios da rachel, é uma traição a tudo que ele diz ser. no momento em que se sente rejeitado, em vez de agir com maturidade e lidar com a situação, ross faz exatamente aquilo que ele próprio julgaria imperdoável — afinal, quando desconfiou da rachel com o colega de trabalho, mostrou que não a perdoaria. ele se justifica dizendo que estava machucado, que pensou que tinha a perdido, que não agiu racionalmente. mas é isso que ele faz sempre: reage de forma impulsiva, se coloca como vítima e espera que o amor resolva tudo.
ele quer tanto ser visto como um cara legal que nunca percebe como suas atitudes não condizem com essa imagem. ele quer ser o parceiro perfeito, mas não faz o trabalho necessário para ser um. ele quer ser amado incondicionalmente, mas não quer lidar com as condições reais de um relacionamento. e quando as coisas dão errado, ele não se pergunta o que poderia ter feito diferente, sequer vai em busca de aprender com os erros — ele apenas sofre.
esse é o mito do “cara legal”. a ideia de que o simples fato de amar alguém deveria ser suficiente para garantir um relacionamento saudável ou uma ótima vida. que ser romântico, apaixonado e fiel (exceto quando conveniente) automaticamente o torna um bom parceiro. ross culpa suas parceiras pelo seus próprios fracassos para tentar esconder sua própria fraqueza.
em “anatomia de uma queda” nós também vemos o exemplo do “cara legal” que culpa sua parceira pelo próprio fracasso e tenta justificar suas mediocridades.
"Você reclama da vida que escolheu! Você não é uma vítima! De forma alguma! Sua generosidade esconde algo mais sujo e mesquinho. Você é incapaz de enfrentar suas ambições e me culpa por isso. Mas não fui eu quem te colocou onde você está. Eu não tenho nada a ver com isso! Você não está se sacrificando, como diz." - Anatomia de uma queda.
durante o monólogo acima, sandra confronta samuel, que é um escritor frustrado e incapaz de lidar com suas próprias limitações e fracassos. ele projeta suas frustrações nela, culpando sandra pelas dificuldades em sua vida e carreira.
ross e miguel representam uma grande parte da população masculina que sempre se acham bom demais para errar. é como se ambos vivessem presos em uma narrativa onde acreditam ser a solução, quando, na realidade, são parte do problema. tanto ross, como o miguel, se veem como o tipo de homem que faz tudo certo, mas estão em um ciclo interminável de frustração.
em vez de olhar para si mesmos e refletir sobre suas ações, preferem se afogar em uma autopiedade, esperando que alguém os veja como coitados — e coitado é tudo que eles não são.
Você falou de homens mas eu super me identifiquei. É bom enxergar as próprias falhas e ter um norte para melhorá-las. Mesmo que seja um mega tapa na cara. 🙌🏻
Bom demais esse texto!